Os olhos da
pampa (histórias gaúchas)
Uma flor de
lírio branco
Naquele fundo de campo, onde tua
mirada não alcança, num rancho de barro e madeira floresceu um lírio branco. O
encanto desta flor, assim que a primavera se boleia, enfeita a velha tapera, antigo
ninho de amor.
Foi neste abrigo campeiro, forjado a
facho de lua, que Ana Clara, branca como a lua, teve o seu amor primeiro.
– Vosmecê é uma flor de lírio branco –
disse o negro, e ela trocou léguas de campo por um poncho de lã crua.
Conta o negro mais antigo que um peão
da fazenda tinha os encantos da prenda, num romance proibido. A filha do
fazendeiro, de tanto cerzir a vida sem amor, entregou-se de corpo e alma
àqueles braços fortes como o angico e negros como a noite.
Mas, na fúria de um temporal, por
vingança, honra lavada, veio a morte encomendada pelas mãos frias do mal.
– Mate os dois, Olhos de Cobra. Lhe
pago uma guaiaca cheia de cobres, e uma noite com duas negras –, encomendou o
fazendeiro, cuspindo as palavras. Os olhos de cobra do matador de ascenderam.
Naquele fundo de campo, onde tua mirada
não alcança, resta o rancho em ruína, a cruz perdida e, ao lado, enternecida,
uma flor de lírio branco.
– Vosmecê é uma flor de lírio branco –
disse a noite, e Ana Clara trocou léguas de campo por um poncho de lã crua.
(Danilo Kuhn)
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