terça-feira, 13 de agosto de 2013

Uma flor de lírio branco

Os olhos da pampa (histórias gaúchas)

Uma flor de lírio branco
  
Naquele fundo de campo, onde tua mirada não alcança, num rancho de barro e madeira floresceu um lírio branco. O encanto desta flor, assim que a primavera se boleia, enfeita a velha tapera, antigo ninho de amor.
Foi neste abrigo campeiro, forjado a facho de lua, que Ana Clara, branca como a lua, teve o seu amor primeiro.
– Vosmecê é uma flor de lírio branco – disse o negro, e ela trocou léguas de campo por um poncho de lã crua.
Conta o negro mais antigo que um peão da fazenda tinha os encantos da prenda, num romance proibido. A filha do fazendeiro, de tanto cerzir a vida sem amor, entregou-se de corpo e alma àqueles braços fortes como o angico e negros como a noite.
Mas, na fúria de um temporal, por vingança, honra lavada, veio a morte encomendada pelas mãos frias do mal.
– Mate os dois, Olhos de Cobra. Lhe pago uma guaiaca cheia de cobres, e uma noite com duas negras –, encomendou o fazendeiro, cuspindo as palavras. Os olhos de cobra do matador de ascenderam.
Naquele fundo de campo, onde tua mirada não alcança, resta o rancho em ruína, a cruz perdida e, ao lado, enternecida, uma flor de lírio branco.
– Vosmecê é uma flor de lírio branco – disse a noite, e Ana Clara trocou léguas de campo por um poncho de lã crua.

(Danilo Kuhn)