Os olhos da
pampa (histórias gaúchas)
Quando a Milonga
amanhece
A Milonga, em sua aurora, abre as
cortinas da noite despacito, como quem pega uma estrada. Vislumbra a pampa da
janela do horizonte, com suas planuras dormidas, seus veios de prata, sangas mansas,
prelúdios silentes do amanhecer.
– Bom dia, Pampa Estrelada! É da
vontade de Pai Celeste que me quede aí, sobre teu seio, derrame meu ouro sobre
ti, desperte as matas, as coxilhas, a várzea, o campo. Me permites? Te peço
licença, Pampa Estrelada.
– Buenas, Milonga! Benvinda sejas. Te
aprochega, dedilha teus acordes, bordoneia a barra do dia, enquanto reponto
minhas estrelas...
E a Milonga amanhece tão sonora e
luzidia! Rege coros de pássaros, alvoroça a criação, aquenta a água do mate
enquanto se infiltra pelas frestas dos ranchos. Como se fosse uma prece, a
Milonga abençoa as sesmarias...
– Milonga do Amanhecer, traz, pra alma,
claridade...
***
A Milonga, já desperta, num instante
se faz dia. É quero-quero em alerta no topo de uma coxilha. O sol que nasce na
pampa chega na hora do mate, e ao compasso milongueiro empeça a lida, de braços
fortes e rédea firme. A Milonga ponteia o alambrado, solfeja melodias por entre
as folhas do mato, milongueia as horas...
– Milonga do Amanhecer, traz, pra
alma, lenidade...
***
A Milonga, em plenitude, é o dia que
se prolonga, estendendo os braços à querência num abraço fraternal. Há, no
espelho do açude, distraída, uma milonga...
– Milonga do Amanhecer, traz, pra
alma, serenidade...
(Danilo Kuhn)