quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Quando a Milonga amanhece

Os olhos da pampa (histórias gaúchas)

Quando a Milonga amanhece

A Milonga, em sua aurora, abre as cortinas da noite despacito, como quem pega uma estrada. Vislumbra a pampa da janela do horizonte, com suas planuras dormidas, seus veios de prata, sangas mansas, prelúdios silentes do amanhecer.
– Bom dia, Pampa Estrelada! É da vontade de Pai Celeste que me quede aí, sobre teu seio, derrame meu ouro sobre ti, desperte as matas, as coxilhas, a várzea, o campo. Me permites? Te peço licença, Pampa Estrelada.
– Buenas, Milonga! Benvinda sejas. Te aprochega, dedilha teus acordes, bordoneia a barra do dia, enquanto reponto minhas estrelas...
E a Milonga amanhece tão sonora e luzidia! Rege coros de pássaros, alvoroça a criação, aquenta a água do mate enquanto se infiltra pelas frestas dos ranchos. Como se fosse uma prece, a Milonga abençoa as sesmarias...
– Milonga do Amanhecer, traz, pra alma, claridade...

***

A Milonga, já desperta, num instante se faz dia. É quero-quero em alerta no topo de uma coxilha. O sol que nasce na pampa chega na hora do mate, e ao compasso milongueiro empeça a lida, de braços fortes e rédea firme. A Milonga ponteia o alambrado, solfeja melodias por entre as folhas do mato, milongueia as horas...
– Milonga do Amanhecer, traz, pra alma, lenidade...

***

A Milonga, em plenitude, é o dia que se prolonga, estendendo os braços à querência num abraço fraternal. Há, no espelho do açude, distraída, uma milonga...
– Milonga do Amanhecer, traz, pra alma, serenidade...


(Danilo Kuhn)