Dentro de mim há um sábio e um aventureiro.
O sábio é um velho teórico do saber, estudioso do conhecimento
humano, filósofo das leis divinas. Traz consigo a sapiência de quem já muito
estudou, autoridade de quem já muito produziu, a altivez de quem já muito longe
chegou, o cansaço de quem já muito trabalhou, a amargura de quem já muito
pensou, a desesperança de quem já muito esperou, a desilusão de quem já muito sofreu.
Guarda em seu baú verdades absolutas, sólidos ideais. É um solitário, crítico,
ácido, radical, avesso ao diálogo, abstrato, contemplativo do mundo das ideias
e das teorias, dono de vasto patrimônio, e traz consigo uma tonelada de chumbo
nas costas: o fardo do conhecimento. Quando eu começo a pensar, a escrever, o
velho fala por mim. Não preciso de esforço para que o pensamento aporte onde
necessito, para que as palavras se encaixem, para que as relações entre as
ideias se estabeleçam da forma que preciso. Ele é o reflexo de existências e
existências anteriores onde eu me afoguei em livros, em tratados, em reflexões,
nas masmorras do estudo. E ele caminha sempre comigo, e por vezes fala mais
alto que tudo, que só ouço a sua voz.
O aventureiro é um jovem extrovertido e curioso, alegre e
brincalhão, com sede de vida. Este rapaz quer a compensação de vidas e vidas
dedicadas ao conhecimento dos livros, e exige viver com intensidade o aqui e
agora. O velho é antissocial, ermitão, e não relativiza opiniões e conceitos e
não faz escolhas porque as escolhas já estão feitas, preestabelecidas, são
dogmas: é um absolutista do pensamento. Já o jovem quer se relacionar, ser
popular, quer conhecer outras formas de compreensão do mundo e da vida que não
são as suas, que herdou do velho. Quer ter liberdade, quer ter liberdade de
escolha. Precisa, na verdade, aprender a fazer suas próprias escolhas, aprender
com a vida, não com os livros. Acredita no diálogo, no conhecimento que se dá a
partir do encontro entre dois. Quer aprender a ouvir as pessoas, quer a
expansão da sua compreensão e relativizar opiniões, trazendo consigo a
necessidade de conhecer muitas pessoas, outras culturas, de viajar o mundo, de
estar em relação com o outro, com os outros. O aprendizado está no encontro com
o outro. Se no mundo do velho não há espaço para escolhas, no mundo do jovem a
escolha está em suas mãos. Ele acredita na escola do diálogo e da escolha, na
negociação. Presta atenção com quem está falando e precisa se fazer entender,
saber transmitir, do jeito que o outro entenda. Quer dar aulas, palestrar,
exigir minha atenção ao outro.
Não é fácil equilibrar estes dois dentro de mim. Mas sei que é
aí que reside o meu aperfeiçoamento, o meu aprimoramento. O jovem aventureiro é
a compensação que a Evolução me exige em confronto com o velho sábio. Sou
volátil, por vezes disperso, mutável, inconstante, efeitos colaterais das lutas internas que travam o sábio e o aventureiro, do enfrentamento, do confronto.
Admiro muito o velho sábio. Sou o eu do ontem. Meu legado. Mas
pretendo me parecer cada vez mais com o jovem aventureiro, porque até mesmo um
sábio precisa ampliar seus horizontes, sair da masmorra, pôr em xeque suas
leis, suas certezas, conhecer o mundo, as coisas mundanas, e, principalmente, o
outro.
É difícil. Difícil o aventureiro fazer escolhas porque não está
acostumado com isso, não tem ninguém, nenhum postulado que lhe indique o
caminho certo, como teve no passado: o caminho certo, agora, é para onde aponta
o seu nariz. É difícil o sábio deixar para trás sua fé, reescrever seus
pergaminhos, abandonar seus mapas, desdizer suas teses, mudar seu norte,
reorientar sua bússola. Mas até as estrelas no céu mudam, se movimentam. E é
isto que elas estão me exigindo. Reinventar o velho, abrir as portas para o novo.
Dentro de mim há um velho sábio e um jovem aventureiro, e eles
estão caminhando pela estrada da minha existência em direção ao diálogo, ao
equilíbrio, à unificação, à Evolução.