sábado, 13 de julho de 2013

O mendigo de leitores


Todo dia ele escrevia. Em cada palavra sua alma se esvaía, cristalina, ávida do brilho dos olhos de seus leitores.
Todo dia ele escrevia. Em meio a rotina, ao trabalho - que não requeria letras -, garimpava pepitas de tempo literário. Literalmente, no fundo da mina escura do dia-a-dia, procurava o ouro do sol em prosa e verso.
Todo dia ele escrevia, e se realizava. Sorria ao ver-se traduzido em palavras. Seus escritos eram seu espelho. Sua cabeça fervilhava ao reconhecer em cada réstia de mundo a inspiração divina, sôfrego por revelá-la a quem não podia vê-la ou senti-la.
Todo dia ele escrevia, e era lido. Isto o satisfazia ainda mais que escrever: ter leitores. Pensava que quando ninguém mais o lesse, poderia encerrar suas atividades neste mundo, um trágico ponto final na própria existência, um personagem a menos no livro não lido da vida. Mas ele preferia as reticências... A continuidade... A exclamação! Até a dúvida, ou uma vírgula, os dois pontos e travessão. Aprazia-lhe o diálogo. Quando leitores o elogiavam, comentavam seus escritos, ou até o criticavam, se sentia vivo. O silêncio o matava, aos poucos, pausa a pausa.
Todo dia ele escrevia, mas lentamente foi se transformando num mendigo. Ele trabalhava, ganhava dinheiro, se alimentava razoavelmente bem (muito bem até, em se tratando de um escritor)... Era sua alma que empobrecia e definhava. Flagrou-se rastejando por atenção, pedindo esmolas sob forma de leituras. E foi assim que ele se tornou um mendigo de leitores.
Todo dia ele escrevia, e mendigava:
- Deus! A leitura nossa de cada dia nos dai hoje!


(Danilo Kuhn)


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