Todo dia ele escrevia. Em cada palavra sua alma se esvaía,
cristalina, ávida do brilho dos olhos de seus leitores.
Todo dia ele escrevia. Em meio a rotina, ao trabalho - que
não requeria letras -, garimpava pepitas de tempo literário. Literalmente, no
fundo da mina escura do dia-a-dia, procurava o ouro do sol em prosa e verso.
Todo dia ele escrevia, e se realizava. Sorria ao ver-se traduzido em palavras. Seus escritos eram seu espelho.
Sua cabeça fervilhava ao reconhecer em cada réstia de mundo a inspiração
divina, sôfrego por revelá-la a quem não podia vê-la ou senti-la.
Todo dia ele escrevia, e era lido. Isto o
satisfazia ainda mais que escrever: ter leitores. Pensava que quando ninguém
mais o lesse, poderia encerrar suas atividades neste mundo, um trágico ponto
final na própria existência, um personagem a menos no livro não lido da vida.
Mas ele preferia as reticências... A continuidade... A exclamação! Até a
dúvida, ou uma vírgula, os dois pontos e travessão. Aprazia-lhe o diálogo.
Quando leitores o elogiavam, comentavam seus escritos, ou até o criticavam, se
sentia vivo. O silêncio o matava, aos poucos, pausa a pausa.
Todo dia ele escrevia, mas lentamente foi
se transformando num mendigo. Ele trabalhava, ganhava dinheiro, se alimentava
razoavelmente bem (muito bem até, em se tratando de um escritor)... Era sua
alma que empobrecia e definhava. Flagrou-se rastejando por atenção, pedindo
esmolas sob forma de leituras. E foi assim que ele se tornou um mendigo de
leitores.
Todo dia ele escrevia, e mendigava:
- Deus! A leitura nossa de cada dia nos dai hoje!
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