– Bom dia – disse a ela, sob a manhã de estanho que ainda se
espreguiçava no céu.
– Bom dia – murmurou, sem me olhar nos olhos.
Noutros tempos, baixaria a cabeça e seguiria meu caminho, mas
havia algo na névoa matinal que me levava a ir além, a desvelar cada esquina, a
descobrir cada rosto, a desvendar cada gesto.
– Esta névoa deixa as ruas mais interessantes, não é mesmo?
– Ah, sim. É muito interessante não sabermos quem está a nos
seguir, nem em que rua estamos, nem se há alguém por perto para socorrer.
Sua voz era uma lâmina frágil que procurava afiar-se em palavras
de pedra, mas com o devido cuidado para não quebrar-se. Estava intimidada com
minha presença e insistência em puxar conversa, mas não pôde evitar olhar-me,
atraída pelas minhas palavras vaporosas.
Como uma aranha que pensa em atrair a presa, teci uma frase para
que a prendesse em minha teia:
– O que é a vida senão o mistério do destino entre-brumas?
Ela, que até então não diminuíra o passo, pousou os saltos sobre
a calçada coberta de névoa líquida e me indagou com os olhos. Era um olhar
perolado tão misterioso e brilhante quanto a bruma, que não consegui domar meus
lábios:
– Você tem olhos de bruma.
– E você deve ter névoa dentro da cabeça em lugar de cérebro.
Era a primeira vez que havia juntado coragem para falar com
Bruna, e minhas palavras vãs fundiram-se à névoa e ao eco dos seus passos que
se afastavam até que não restasse nada além dos seus olhos a me envolver. Os
olhos de bruma de Bruna me perseguem desde então.
***
Coincidência ou não, na semana que se
seguiu a névoa não deu trégua. O sol era uma pérola esmaecida a vagar sobre o
véu que cobria o céu. E, quando anoitecia, as luzes dos postes ganhavam uma
aura pálida e amarelada que lambia alguns poucos metros do nevoeiro, num arremedo solar.
– Boa noite – falou-me a névoa, com voz macia.
Virei-me e reconheci aqueles olhos de
bruma. Bruna vestia um casaco sóbrio e de bom corte, mas pude adivinhar as curvas
de colo e quadril.
– Desculpe-me a pressa daquela manhã. Eu andava um tanto confusa. Meu nome é Bruna.
– Bruna olhos-de-bruma – improvisei, compondo um sorriso, me arrependendo em seguida de tamanha falta de bom-gosto. –
Eu sou o Cabeça-nas-nuvens.
Bruna me presenteou com um sorriso luzidio
como a aurora, e abaixou a guarda. Mas em vez de utilizar-me de anzóis vazios e
artifícios sem cor, entreguei-me aos seus olhos e os deixei me guiar. Andamos
por entre as nuvens de uma cidade sem rosto, ríamos a cada passo em falso
quando se terminavam as calçadas sem aviso prévio, pregávamos peças nos
caminhantes chamando-os de entre a névoa, até adivinharmos nossas mãos em
nossas mãos, nossos lábios em nossos lábios. Olhei-me em seus olhos de bruma. Eu
me sentia nas nuvens.