sexta-feira, 10 de maio de 2013

O sábio e o aventureiro


Dentro de mim há um sábio e um aventureiro.
O sábio é um velho teórico do saber, estudioso do conhecimento humano, filósofo das leis divinas. Traz consigo a sapiência de quem já muito estudou, autoridade de quem já muito produziu, a altivez de quem já muito longe chegou, o cansaço de quem já muito trabalhou, a amargura de quem já muito pensou, a desesperança de quem já muito esperou, a desilusão de quem já muito sofreu. Guarda em seu baú verdades absolutas, sólidos ideais. É um solitário, crítico, ácido, radical, avesso ao diálogo, abstrato, contemplativo do mundo das ideias e das teorias, dono de vasto patrimônio, e traz consigo uma tonelada de chumbo nas costas: o fardo do conhecimento. Quando eu começo a pensar, a escrever, o velho fala por mim. Não preciso de esforço para que o pensamento aporte onde necessito, para que as palavras se encaixem, para que as relações entre as ideias se estabeleçam da forma que preciso. Ele é o reflexo de existências e existências anteriores onde eu me afoguei em livros, em tratados, em reflexões, nas masmorras do estudo. E ele caminha sempre comigo, e por vezes fala mais alto que tudo, que só ouço a sua voz.
O aventureiro é um jovem extrovertido e curioso, alegre e brincalhão, com sede de vida. Este rapaz quer a compensação de vidas e vidas dedicadas ao conhecimento dos livros, e exige viver com intensidade o aqui e agora. O velho é antissocial, ermitão, e não relativiza opiniões e conceitos e não faz escolhas porque as escolhas já estão feitas, preestabelecidas, são dogmas: é um absolutista do pensamento. Já o jovem quer se relacionar, ser popular, quer conhecer outras formas de compreensão do mundo e da vida que não são as suas, que herdou do velho. Quer ter liberdade, quer ter liberdade de escolha. Precisa, na verdade, aprender a fazer suas próprias escolhas, aprender com a vida, não com os livros. Acredita no diálogo, no conhecimento que se dá a partir do encontro entre dois. Quer aprender a ouvir as pessoas, quer a expansão da sua compreensão e relativizar opiniões, trazendo consigo a necessidade de conhecer muitas pessoas, outras culturas, de viajar o mundo, de estar em relação com o outro, com os outros. O aprendizado está no encontro com o outro. Se no mundo do velho não há espaço para escolhas, no mundo do jovem a escolha está em suas mãos. Ele acredita na escola do diálogo e da escolha, na negociação. Presta atenção com quem está falando e precisa se fazer entender, saber transmitir, do jeito que o outro entenda. Quer dar aulas, palestrar, exigir minha atenção ao outro.
Não é fácil equilibrar estes dois dentro de mim. Mas sei que é aí que reside o meu aperfeiçoamento, o meu aprimoramento. O jovem aventureiro é a compensação que a Evolução me exige em confronto com o velho sábio. Sou volátil, por vezes disperso, mutável, inconstante, efeitos colaterais das lutas internas que travam o sábio e o aventureiro, do enfrentamento, do confronto.
Admiro muito o velho sábio. Sou o eu do ontem. Meu legado. Mas pretendo me parecer cada vez mais com o jovem aventureiro, porque até mesmo um sábio precisa ampliar seus horizontes, sair da masmorra, pôr em xeque suas leis, suas certezas, conhecer o mundo, as coisas mundanas, e, principalmente, o outro.
É difícil. Difícil o aventureiro fazer escolhas porque não está acostumado com isso, não tem ninguém, nenhum postulado que lhe indique o caminho certo, como teve no passado: o caminho certo, agora, é para onde aponta o seu nariz. É difícil o sábio deixar para trás sua fé, reescrever seus pergaminhos, abandonar seus mapas, desdizer suas teses, mudar seu norte, reorientar sua bússola. Mas até as estrelas no céu mudam, se movimentam. E é isto que elas estão me exigindo. Reinventar o velho, abrir as portas para o novo.
Dentro de mim há um velho sábio e um jovem aventureiro, e eles estão caminhando pela estrada da minha existência em direção ao diálogo, ao equilíbrio, à unificação, à Evolução.

(Danilo Kuhn)