terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Um conto de verão


A areia do tempo escorria na beira da praia, entrecortada por vento e ondas. Trazia nos lábios um gosto amargo de maresia e solidão, e um olhar perdido no revoar das gaivotas. Sabia que não tinha muito tempo de vida, apenas o tempo de uma lembrança. Já fazia vinte anos daquele verão donde o amor acenava, que a saudade afastava da visão a cada grão de areia escorrido na ampulheta da memória.
– O mar é a crônica da vida – certa vez me disse Maria.
Minhas pegadas à beira-mar vão-se apagando aos poucos. Umas são fugazes, sucumbem num segundo à onda e à espuma. Outras, o vento encobre lentamente com areia, metaforseando-as grão a grão, até fundi-la à Grande Praia. Quem poderá repisar meu rastro? Quem seguirá meus passos? As lembranças da minha passagem pelo mundo são apenas pegadas na areia da praia.
– O mar é a crônica da vida – certa vez me disse Maria.
A imensidão do mar aberto nesse fim de tarde frio e deserto me apequena, ou melhor, me faz lembrar minha pequenez. Por maiores que desejemos ser, no fim das contas não passamos de grão de areia, de gota d’água. Meus gritos são abafados pelas gaivotas, pelo vento, pelo vazio. Até mesmo minha solidão se encolhe diante da imensidão. Por mais pessoas que passem por nossas vidas, chega o momento de nos encontrarmos sós, para o derradeiro ajuste de contas consigo mesmo.
– O mar é a crônica da vida – certa vez me disse Maria.
A noite se aproxima, e eu, já sem rumo, vejo uma luz. Em meu devaneio, não resta mais nada, somente aquela luz. Todo o resto é nada. A escuridão me sufoca, desatina, pesa meus passos, rarefaz o ar. A maresia se engrossa e me põe sal na boca. Meu desespero se exaspera. Já não caminho, rastejo. Não me resta esperança, somente a luz. A luz. E ali, no Farol, eu me encontro. E descubro que a vida é tudo isso. É caminhar eterno em direção à luz, ao Farol.
– O mar é a crônica da vida – certa vez me disse Maria.


(Danilo Kuhn)