Os olhos da
pampa (histórias gaúchas)
Um romance em
estiagem
Era um tempo difícil. A vida cá na
campanha andava puída, sisuda. Terra-rachada. E o coração era uma cacimba
esperando água da chuva. Minh’alma-tapera, lambendo as feridas, já não via vida
além do portão, trancada em solidão.
Numa tarde mormacenta, dessas de vento
pesado e morno, encilhei o pingo malacara,
já na rapa do tacho, na capa da gaita, e me fui bebendo estrada, tragando
distâncias, entre nuvens de poeira. Eis que, perdido, vagando na paisagem, me
fitava um par de olhos castanhos, feito mel de mirim, ou prenúncio de
temporal... Chuvarada na campanha!
– Alamaula!
Foi-se embora a estiagem!
E “dê-lhe boca pro gateado”! Na
porteira da fazenda, o meu peito descobriu que o olhar daquela prenda era de
inundar estio! O coração se foi torrente abaixo, redemoinho, nas corredeiras do
rio... E o amor se fez enchente neste peito cansado, carcomido e vazio.
***
No entanto, tamanho encanto, do mel ao
fel, num instante se desfez... Alapucha!
Quem güenta o tirão? Quem segura o repuxo? O rio tornou-se pranto e, de
tristeza, me afoguei... Já sem forças pra nadar.
A prenda tempo-feio se fez viração.
Aquela de olhos castanhos não me deu seu coração e eu, aos poucos, fui
secando... Minguando... Vi meus olhos secarem, rasos d’água... Gota a gota...
Lua a lua.
Me fui voltando pras casa, à galope, sem
olhar pra trás, no meu pingo, que o sol forte e inclemente da campanha já levou
em seu estio. Escafedeu-se a última gota de esperança. A última rota gota. Joguei
o balde cacimba abaixo, e cortei a corda. Desta água já não bebo. Me atirei no
poço de um copo de canha cristalina.
Ainda lembro daquela desdita, da
porteira da fazenda, dos espinhos, das corredeiras no rio e do olhar daquela
prenda, que era de inundar estio, e de estiar qualquer peão...
Hoje, apenas vago, solito pelas paragens, bebendo a vida,
remoendo a solidão de um romance em estiagem que secou meu coração.
(Danilo Kuhn)