O menino que apagava postes era um menino
normal, como ninguém é. Tinha alguns amigos, jogava bola, paquerava timidamente
algumas meninas, ia para escola, gostava de ouvir música, tinha uma família
normal, como nenhuma é, vestia roupas de moleque e tinha o vidro dos olhos sem
nenhum lume diferente. Trazia consigo sonhos singelos, despretensiosos, e
buscava nada mais do que viver simples e normalmente. No entanto, na
adolescência, quando as percepções de mundo se ampliam e os sonhos se
amplificam, o menino percebeu, quase sem querer, que possuía a estranha
capacidade de apagar postes de luz.
Tudo começou numa noite em que o menino,
moço por fora, mas ainda menino por dentro, passeava de carro à noite com
amigos, sossegado. Ao passar por debaixo de um poste, no exato instante a luz
deste apagou-se, causando comentários jocosos entre a turma, mas não deixando
de sinalizar ao menino, em seus recônditos pensamentos, que aquilo não era mera
coincidência. Em verdade, ele não sabia se aquilo já havia acontecido
anteriormente, mas, enfim, era a primeira vez em que ele tinha notado.
Assim como a luz do poste apagou-se,
apagou-se também da memória do menino aquele estranho acontecimento, até sua
recorrência. A cada vez que se repetia o apagar das luzes, sentia um frio maior
em sua espinha, um medo do desconhecido, calafrios ante o insondável.
Inicialmente, observou que um mesmo poste, em frente a sua casa, apagava-se com
sua passagem, mas com o tempo percebeu que não era só aquele...
Às vezes, via que quando seus pensamentos estavam mais densos, seu
cenho franzido, o poste apagava-se, juntamente com um ou dois postes vizinhos;
certa vez pode contar doze postes apagados ao mesmo tempo, várias quadras de
luz, por culpa de sua passagem, de seu estado de espírito preocupado,
atormentado. Ele sentia medo do que estava acontecendo, medo de si mesmo.
Pensava consigo que espécie de bruxo talvez fosse, ou que espírito o perseguia
e lhe enviava estes sinais. Perguntava a si mesmo se não estava carregado
espiritualmente – às vezes ouvia falar sobre estas coisas de espiritismo,
embora não fosse espírita e tampouco entendesse destas coisas –, ou se sua
mente possuía algum poder sobrenatural, e se tais possíveis poderes eram do mal
ou do bem.
Aos poucos, o rapaz observou que até mesmo estando ele em outras
cidades o mesmo estranho fato acontecia; apagou postes em várias cidades.
Chegou a duvidar, a pensar que era coisa da sua cabeça, mas com o passar do
tempo mais e mais testemunhas presenciavam tal apagar, constrangimento que era
um misto de vergonha e orgulho, pois é estranho apagar postes e ao mesmo tempo
não é qualquer um que consegue. Ao arrepiar-se, o menino que apagava postes
também sorria.
A noite sempre traz consigo mistério, insegurança, medo, pois
não vemos ao nosso redor, onde pisamos, aonde vamos. Caminhar na escuridão,
ouvir barulhos no pátio escuro, perder-se à noite na floresta... O menino que
apagava postes sentia-se escuro, e temia por sua alma noturna. Pensou em
procurar e consultar as trevas a fim de esclarecimentos, mas algo fica claro
nas sombras?
Mas veio o dia, e com ele apagaram-se as luzes de todos os
postes à vista do menino moço. Assim como a luz do dia apaga os postes, o ser
luzidio que se descobriu o menino apagava os seus. Claridade! O menino que
apagava postes era claro como a luz do sol! Luminoso como o céu aberto!
Brilhante como os cristais!
Somente apaga postes aquele que tem muita luz própria...