A areia do tempo escorria na beira da
praia, entrecortada por vento e ondas. Trazia nos lábios um gosto amargo de
maresia e solidão, e um olhar perdido no revoar das gaivotas. Sabia que não
tinha muito tempo de vida, apenas o tempo de uma lembrança. Já fazia vinte anos
daquele verão donde o amor acenava, que a saudade afastava da visão a cada grão
de areia escorrido na ampulheta da memória.
– O mar é a crônica da vida – certa vez
me disse Maria.
Minhas pegadas à beira-mar vão-se
apagando aos poucos. Umas são fugazes, sucumbem num segundo à onda e à espuma.
Outras, o vento encobre lentamente com areia, metaforseando-as grão a grão, até
fundi-la à Grande Praia. Quem poderá repisar meu rastro? Quem seguirá meus
passos? As lembranças da minha passagem pelo mundo são apenas pegadas na areia
da praia.
– O mar é a crônica da vida – certa vez
me disse Maria.
A imensidão do mar aberto nesse fim de
tarde frio e deserto me apequena, ou melhor, me faz lembrar minha pequenez. Por
maiores que desejemos ser, no fim das contas não passamos de grão de areia, de
gota d’água. Meus gritos são abafados pelas gaivotas, pelo vento, pelo vazio.
Até mesmo minha solidão se encolhe diante da imensidão. Por mais pessoas que
passem por nossas vidas, chega o momento de nos encontrarmos sós, para o
derradeiro ajuste de contas consigo mesmo.
– O mar é a crônica da vida – certa vez
me disse Maria.
A noite se aproxima, e eu, já sem
rumo, vejo uma luz. Em meu devaneio, não resta mais nada, somente aquela luz.
Todo o resto é nada. A escuridão me sufoca, desatina, pesa meus passos, rarefaz
o ar. A maresia se engrossa e me põe sal na boca. Meu desespero se exaspera. Já
não caminho, rastejo. Não me resta esperança, somente a luz. A luz. E ali, no
Farol, eu me encontro. E descubro que a vida é tudo isso. É caminhar eterno em
direção à luz, ao Farol.
– O mar é a crônica da vida – certa vez
me disse Maria.
(Danilo Kuhn)