quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Fermín e a sombra do vento


Cansado da dor fustigante do mundo real, ele foi em busca da sombra do vento... Fermín era crítico por natureza, radical em sua visão desiludida de mundo, um libertário das mazelas sociais e dos ardis da política, um homem reto, de verbo forte e incisivo, polido à boa literatura, gestos nobres e causas perdidas. Tão perdidas que o levaram a jogar-se ao abismo de seus devaneios e dar-se asas...
Na sombra do vento, Fermín recorreu as áridas e estéreis planícies do espírito humano e sua vocação para o egoísmo, sondou as mais altas montanhas da soberba e os arranha-céus da ganância, esgueirou-se por entre as sombrias florestas da inveja, soprou sobre os pântanos do ódio... Sorrateiro, espiava o lado escuro da humanidade com o intento de em breve iluminá-lo...
Nesta sombria jornada, por vezes Fermín reconheceu-se humano e, como tal, imperfeito. Revia seu passado ao contemplar a face negra do mundo, suas fraquezas, seus erros, seus arrependimentos, seus sofrimentos. Pensou se seria ele capaz de iluminar sua própria escuridão, e percebeu que seu plano luzidio deveria começar dentro de si para que pudesse funcionar. Então, tratou de convencer-se a si mesmo de buscar a luz, para que reunisse verbo capaz de iluminar o mundo a partir de seu exemplo.
Fermín, dentro de si, lutou contra sua infância de poucos amigos e muitas brigas fomentadas por sua língua solta, senso de justiça apurado e orgulho lustrado apesar da origem humilde... Investiu sobre sua carência afetiva em decorrência do desdém de seus pais, rudes demais para empregar um gesto de carinho ou uma palavra de incentivo... Empreendeu campanha para silenciar os gritos de socorro que ecoavam nas noites frias passadas ao relento nas ruas da cidade que lhe desviavam os olhos, ignoravam sua presença maltrapilha e faminta de migalhas naqueles tempos de miséria que a vida lhe impôs para testar seu caráter e ideais... Abafou o descompasso do coração e desatou o nó na garganta que seus desamores lhe causavam... Estancou as feridas provocadas pela injustiça e covardia que seus olhos já haviam visto...
Percebeu, então, que somente ele mesmo poderia iluminar-se, assim como somente cada pessoa poderia fazer o mesmo consigo mesma. Aprendeu que a luz mais clara é aquela que cada um acende dentro de si. A escuridão interior só se vai quando se deseja o dia, quando se busca o sol. Ao visitar seus adentros, Fermín descobriu que não se pode iluminar o mundo dos outros quando estes o querem escuro...
Ao iluminar-se, Fermín desamargurou-se. Fez as pazes com sua infância quando decidiu contar histórias de fundo moral e educativo para as crianças do seu bairro... Perdoou seus pais ao cuidá-los em sua velhice como se fossem seus filhos... Apaziguou seu ódio para com as injustiças sociais que sentira na pele ao ensinar pessoas humildes a ler e a tomar gosto pelas Belas Letras... Reencontrou o amor ao reabrir sem receio seu coração... Combateu a violência mostrando que a mente aberta é mais eficaz que o punho cerrado...
Ao iluminar-se, Fermín irradiou seu exemplo luminoso às pessoas ao seu redor, que passaram a desejar o dia, a buscar o sol, a iluminarem-se.
E, à sombra do vento, Fermín sussurrou: “Deseja o dia, busca o sol, ilumina-te”.

(Danilo Kuhn)